Chapter III - Fugir ao Inevitável

Dia 10.02.2015 | 18:38h


Recentemente li um artigo perdido na internet sobre um jovem que viajou pelo mundo com apenas 1 dólar por dia. Só o título já me deixou presa à noticia e ao contrário do que esperava esta era bem sucinta e sem grande enredo, o título por si só dizia tudo o que era preciso saber, tendo ao todo um parágrafo escrito e uma fotografia do jovem.
Fiquei, como se costuma dizer, com a pulga atrás da orelha. Como é que tal poderia ser possível? Não pensei muito mais no assunto, pensei noutra coisa, que me ocorreu na cabeça após a sua leitura: Quanto dinheiro é que eu gasto por dia? 
O Walden de Thoreau está a ensinar-me uns truques/dicas sobre como fugir a esta problemática, porém é muito difícil para mim lidar com isto quando o trabalho que eu tenho é mais instável que o tempo. Tal como nos anos anteriores aconteceu, o começo do ano é sempre muito complicado porque o nível de clientes baixa e então não são precisos 4 empregados de mesa para atender 2 clientes a comerem um arroz de marisco à modo do So'Paulo. Então é durante estes primeiros meses que eu passo os fins de semana a "tocar viola" porque não posso ir jardinar com a minha mãe, nem posso ir para o restaurante porque não há trabalho. 
Face a tudo isto e supondo que durante o período em que não trabalho não entra dinheiro, como poderia eu somente gastar 1 dólar por dia?
Não poderia! O jovem certamente que mendigava refeições e arranjava empregos instantâneos em troca de alojamento, refeições, roupa lavada etc etc etc, porém não é isto que me assola a alma... Se não é possível viver com 1 dólar por dia, quanto é que é necessário? Existe uma solução? Como pode Thoreau VIVER (sim porque ele vive) sem qualquer remuneração mensal ou diária?
Esta pergunta já é mais fácil: a dica é a auto-sustentabilidade!
Vou apresentar-vos um caso muito específico:
A minha tia produz animais, produtos hortícolas e frutículas. A variedade de legumes e fruta é vasta, porém a de animais resume-se a patos, galinhas, perús, coelhos (uma ou duas vezes por ano), e um porco por ano. Três a quatro vezes por ano faz fornadas de pão e de broa, e para acompanhar ao baile o marido da minha tia é pescador e caçador, e nas horas vagas madeireiro. A juntar a tudo isto só podemos descontar o gasto que ela tem em água e farinhas para os animais, uma vez que todo o estrume e adubo para os produtos hortícolas vem dos animais e o sulfato é caseiro. Aliado a tudo isto vem ainda o excelente pormenor que ela faz trocas comerciais com outras pessoas, por exemplo, quando tem uma época de muitos ovos vende-os em que troca de uma garrafão de vinho caseiro, na altura da matança do porco pede ajuda para a matança e em troca dá cargas de lenha ou sacos de 25kg de batatas como "ordenado". 
Na minha perspetiva, mesmo que eu tivesse a "vida" da minha tia, nem assim conseguiria gastar apenas 1 dólar por dia, considerando que 1 dólar convertido em euros equivale a qualquer coisa como 0.90€ cêntimos. Não só porque com 0.90€ eu compro somente 1kg de arroz e 4 pães mas também porque ao cozinhar uma simples refeição, mesmo que vindo o frango, as batatas, o loureiro, a salsa, o alho, a cebola, o polvo ou os robalos da própria mão de obra de cada um, e impossível gastar só um único euro com isso, porque todo o gás ou electricidade tem um custo que obviamente ultrapassa os 0.90€ cêntimos. 
Tenho portanto de concluir que é praticamente IMPOSSÍVEL VIVER ou sobreviver com 1 dólar por dia.
Porém, é preciso salientar que tal como Thoreau viveu à margem das mais básicas necessidades, a minha tia vive à margem de tudo aquilo que consegue produzir em casa, evitando a todo o custo comprar o que quer que seja. Mel, especiarias, flores, vinho e etc é tudo "trocado" num comércio "próprio" evitando desta forma comprar esses produtos, obviamente que neste momento como não tem vacas nem cabras tem de comprar o leite e os seus derivados, porém até à bem poucos anos, também produziu esse gado e teve a oportunidade de até esse gasto evitar. De resto compra os produtos "básicos" que não se produz com facilidade como arroz, massa, manteigas, iogurtes etc.
Agora, e tal como começou esta conversa, esta não é a minha vida. Não tenho esta auto-sustentabilidade, porém tenho de afirmar que se alguém consegue viver com, no máximo, 3 a 5 euros por dia, eu também conseguiria, com algum esforço, mas conseguiria. É nisto que Walden me tem feito pensar, e é neste tipo de coisas que nos devemos focar a longo prazo. Hoje em dia acreditar numa auto-sustentabilidade a 0 custos é impossível, porém existem alternativas igualmente económicas de dar a volta à nossa carteira e de nos tempos em que o trabalho é escasso e a procura é muita, encontrar soluções confortáveis.

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