Sempre me fascinaram aquelas pessoas que tem um sorriso cheio, farto, vasto, gordo. Um sorriso carregado de dentes, carregado de gargalhadas e sons minúsculos, que so podem ser encontrados neste tipo de sorriso. E o teu sorriso é assim. Cheio de coisas. Coisas essas que eu nao sei desvendar e que me intrigam. Muito. Mas que eu adoro, se adoro. Eu adoro ver o por do sol, por mim via-o todos os dias da minha vida e sei que nunca me iria cansar porque me carrega as energias, e com o teu sorriso acontece o mesmo. Ah, como eu dava tudo para poder contempla-lo todos os dias, mesmo que por pequenas fracoes de segundos. Nunca acreditei em apaixonar-me todos os dias por algo, mas acho que chegou a altura de me mentalizar que fui contaminada por esse vírus. Como eu gostava que compreendesses a dimensao do teu sorriso, a quantidade de sensacoes que ele provoca no Outro, sim porque ele tem esse poder, e eu acho que tu nem te das conta disso. Fantástico. Surreal. Magico. Inacreditavel. Tens o sorriso mais surrealmente belo que eu já vi em toda a minah vida. E eu sei que por dentro também és assim, mas como penetrar essa barreira? Será ele a ponte para entrar na tua alma? Ja o beijei. Ja o encarei. Ja o toquei. Qual será a maneira de conseguir atravessá-lo? Desvendar um enigma nunca foi tao difícil, falta-me desenhá-lo, mas existirao cores suficientes para o representar? Nao é apenas um sorriso bonito, é um sorriso transcendente, um sorriso preenchido por cores, muitas cores, todos os tipos de cores, cores que ainda nem sao conhecidas. Dá-me essas cores.
Zero. O livro chama-se Zero. Cada
vez acredito mais que os livros foram feitos para serem lidos durante viagens,
sejam elas curtas ou longas, sejam elas por diversão ou por mera rotina, sejam
elas sinônimo de felicidade ou tristeza. E é curioso que aqui é muito comum ver
alguém ler durante uma viagem, e mais curioso que isso é que vejo mais livros
do que sorrisos. Mainz não é uma cidade muito sorridente, o quão contraditório
é isso? Ele está profundamente entranhado na sua leitura. Ao seu lado está uma
mulher a falar, extremamente alto, ao telemóvel, algo que ao fim de um tempo me
começou a incomodar, mas a ele não. Ele continua na sua bolha, como se o som
nem existisse e nada faz com que os seus olhos se desviem do livro. Os dois
graus que hoje se fazem sentir obrigam-no a usar um gorro. Acho que ele é a
primeira pessoa que eu vejo, a quem o frio lhe fica bem no rosto, nas mãos, no
pescoço, no seu todo. Ele tem um tique particularmente interessante: os lábios
dele estalam de vez em quando, a sua boca abre o suficiente para se notar a
linha perfeita que os seus dentes brancos formam. Tem uma barba
despropositadamente deixada por fazer, ele sabe que isso o favorece e que
acentua os cantos do seu rosto mas só acho uma pena que esconda muito dos seus
lábios. O comboio está 17 minutos atrasado e toda a gente está silenciosamente
angustiada por isso, mas ele não. A mulher calou-se, danke. Ele permanece
impávido e sereno. Nem o thriller que tem nas mãos ou o burburinho de fundo do
comboio o perturbam. Permanece assim, hipnotizado pelo livro, durante mais duas
paragens. Tento decifrar no seu rosto qualquer tipo de emoção mas não é fácil.
Como os alemães são frios e distantes. O altifalante do comboio distrai-me,
informa os passageiros sobre a aproximação da próxima paragem. As pessoas
começam a dirigir-se para a porta de saída, frenéticas, uma vez que ainda faltam uns
minutos para chegar ao destino e elas já se alinham em frente à porta, prontas
para romper fora do comboio. Também tenho de sair nesta paragem, infelizmente
não consegui decifrá-lo, ele continua inundado pelas letras e frases, continua
preso no enredo do livro, não se move nem reage, eu precisava de mais tempo. As
portas abriram-se e a multidão saiu disparada do comboio. Entre empurrões
inevitáveis, pessoas a correr, o comboio a partir e chamadas barulhentas eu
voltei a olhar para trás, na tentativa de pela última vez extrair alguma coisa
dele, e tudo o que eu vejo é um blur vermelho do comboio a partir e um vulto
preto na porta, esbracejando contra o tempo e com um livro e uma mochila
toscamente agarrados. Ele esqueceu-se de sair do comboio. O livro devia ser
muito bom.
Abordaram-me na rua. Com o meu Alemão primitivo não entendi muito bem o que a outra pessoa me estava a dizer, tudo o que consegui entender é que dormia na rua. Respondi-lhe em Alemão que não falava a sua língua e ele respondeu-me: "English?". Respondi-lhe que sim e ele ripostou, agora numa língua mais familiar, que dormia na rua, que não tinha dinheiro e perguntou-me se não tinha algum dinheiro que lhe pudesse dar. (Nada de extraordinário right?) Eu sabia que não tinha dinheiro, mas o impulso levou-me a meter a mão nos bolsos e procurar por algo. "Isto é uma moeda?", pensei para mim. Tirei-a do bolso, deixei-a na palma da minha mão estendida, olhei para ela e era de facto uma moeda. Olhei para ele, ele olhou para a minha mão, olhou para mim e inclinou a cabeça. "This is all i have, i'm so sorry". "I'll take it anyway, it's my "glück cent"." Entreguei-lhe o cêntimo e pela primeira vez em toda a minha vida senti-me pobre, não porque fiquei sem um cêntimo, obviamente, mas porque não tinha mais nada para lhe dar a não ser aquilo, e ele, mesmo não tendo nada e tendo recebido um mísero cêntimo olhou para ele como o cêntimo da sorte, da felicidade. Um cêntimo. Quantas vezes olhei eu, olhamos nós, para o dinheiro, que talvez seja mais do que aquilo que ele alguma vez teve, e nos sentimos sortudos e felizes por isso? A vida é isto mesmo, meia dúzia de cêntimos?! Abençoado cêntimo, para os dois.
Ninguém é perfeito. Esta é uma
máxima universal, mas é curioso ver como toda a gente a sabe, mas ainda assim
esforçam-se para esconder as suas imperfeições e tentam ser perfeitos, ou
chegar perto dessa perfeição. Oh, como eu realmente gostava que as pessoas
percebessem o quanto as suas imperfeições são lindas e únicas e que não tem de
as esconder. O quanto são elas que os tornam em autênticos seres da natureza, excelsos
e infinitos. O quanto eles são perfeitos por cada imperfeição e o quanto se
tornam belos por serem assim mesmo. Oh, como eu queria que cada um aceitasse,
nem que fosse uma única coisa, que não gosta em si. Como eu queria que não se
assustassem por não serem perfeitos. Oh, como eu queria que eles se vissem
através dos meus olhos porque tudo, a partir daí, faria mais sentido para eles.
O medo deixaria de inundar os seus corpos, deixariam de se esconder e a
espontaneidade exaltaria o seu melhor lado, o imperfeito, o único e mais belo
de todos os lados.
Sinto-me sozinha, mas estou
rodeada de pessoas, as minhas mãos estão geladas mas estão 18° graus aqui
dentro, tenho medo mas só quero ficar. É assim que eu sei porque estou aqui, para dar valor a esta oportunidade em estar viva e em poder desfrutar
do mundo. Nem toda a gente tem esta chance por isso eu sou, nós somos, privilegiada(os) e quero agradecer essa oportunidade desfrutando dela o
máximo que posso e se para isso tenho de viver estes paradoxos e dilemas, que assim seja. Não sei até quando é que esta vida vai durar, por isso quero
saborear cada fragmento, quero arrepender-me de cada decisão mal tomada, quero
chorar mesmo que isso signifique sofrer e quero amar desmedidamente tudo - cada
pessoa, cada segundo, cada momento. Quero sentir tudo e não quero ser poupada
porque eu quero entender porque é que eu mereço estar aqui. E se doer, melhor ainda, porque eu preciso disso. Se tiver de correr só quero que o motivo seja forte o
suficiente para me fazer ter medo, para acelerar o meu coração e para pôr as
minhas pernas a tremer. Quero perder-me, quero sentir-me sem rumo, enganar-me
mais vezes e chorar com o medo, quero mentir a mim mesma dizendo que vai ficar
tudo bem. Porque no final vai ficar sempre tudo bem. Quero isto e tudo o que está para vir porque esta sensação de estar
viva consegue ser aterrorizante, a montanha russa de sentimentos é tão intensa
de percorrer, mas é tão boa. Eu só quero atingir o meu limite, chegar perto do
abismo e correr todos os riscos que tenho de correr porque no dia em que eu
deixar de os pisar eu vou estar morta e aí, o que é que me vai restar? Simplesmente morrer.
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