Não há espaço para a saudades

Toda a gente me pergunta se tenho saudades de casa. Perguntam-me como é que lido com a distância e com a ausência daqueles de quem mais gosto. Na verdade, eu ainda não passei por essa parte de sentir saudade. Custou-me muito vir embora, não posso negar, mas uma vez que parti foi custando cada vez menos deixar tudo para trás. Eu não sei se isso é bom ou não, a única coisa que sei é que estou feliz aqui. Eu vim para aqui porque quis e acima de tudo porque precisava de vir e só o facto de estar onde quero estar e estar bem, já faz valer a pena cada pessoa que deixei para trás. Eu aprendi que a partir do momento em que estás bem onde estás, tudo aquilo de que sentes falta viram apenas memórias boas e não ocupam espaço na dor ou na tristeza. Quando vim embora eu não vim sozinha, eu trouxe comigo todos aqueles de quem gosto, e a distância não anula a sua presença só a intensifica ainda mais porque em cada memória que me surge na cabeça, sinto a sua presença, como se estivessem sempre ali comigo.

Coragem

A coragem é uma coisa que deviam ensinar na escola. 
Deviam ensinar a plantá-la dentro de nós. 
A partir daí íamos compreender que nós somos uma planta e precisamos dela como se fosse água. 
É ela que nos mantém vivos, que nos faz crescer e que fortalece as nossas raízes cada vez que a usamos. 
É ela que cria memórias e que nos dá vida.
Hoje eu lamento não ter aprendido isso mais cedo, porém, e apesar de ter perdido uma ou outra oportunidade para ser feliz, hoje eu fico a ganhar ao saber que devia ter aproveitado. 
A matéria hoje foi coragem, por isso é que eu sei estas coisas todas.

Para te conheceres, viaja para suficientemene longe.

"Tu és orgulhosa!" Eu nunca me considerei uma pessoa orgulhosa, porém, desde que comecei esta aventura (e depois de perceber que ia ter de lidar sozinha com tudo o que aparecesse à frente) eu consigo retirar um ensinamento muito importante para o resto da minha vida: a nossa (in)dependência não pode (nem deve) ter qualquer tipo de relação com o pedir/aceitar ajuda. Estes dias dei conta que a minha vontade de ser independente estava a inflamar ainda mais as situações com as quais eu tinha que lidar, que na verdade podiam nem ter sido problemas se eu soubesse ter pedido ajuda. Se eu tivesse dado o braço a torcer e tivesse colocado o meu orgulho de parte, não que fosse um orgulho do género "Eu não preciso dos outros" mas um orgulho do "Eu tenho de fazer isto sozinha, eu é que escolhi estar aqui", eu acredito que muita coisa até hoje teria sido bem diferente. Agora eu sei que pedir ajuda é permitir que as pessoas nos abençoem, quão poético pode ser isso na vida de um ser humano? Só agradece.

Do que é que precisas para ser feliz?

Eu nunca tinha pensado nisto, na verdade, quantos de nós é que alguma vez pensaram sobre isto? O meu conceito de felicidade sempre foi muito próximo ao mundo imaterial, daquilo que não é físico mas sim sensorial ou espiritual. Óbvio que há coisas físicas que me fazem feliz, como um bom livro ou um café bem quente numa noite fria, mas não é uma felicidade duradoura, não é algo que me faça feliz durante muito tempo, e por isso mesmo nunca medi a minha felicidade através delas. Ou seja, nunca me considerei mais ou menos feliz com base naquilo que tenho ou deixo de ter. Porém, só agora é que me dou conta (e me pergunto a mim mesma) sobre o que é que eu preciso para atingir a felicidade. 
Ter vindo para aqui obrigou-me a lidar a 100% com a gestão do meu dinheiro, não que em Portugal eu não o fizesse mas aqui é diferente. Aqui sou eu quem tem de fazer todas as compras: desde a comida até ao papel higiénico, passando pelos produtos de limpeza até aos sacos do lixo. Ou seja, tenho de ter sempre atenção ao dinheiro que tenho, quanto posso gastar por mês ou quanto consigo poupar. E numa das minhas idas ao supermercado, eu dei conta de uma coisa: "Eu preciso mesmo disto tudo? Em que momento da minha vida é que eu vou ser mais feliz com todas estas coisas?" A maioria das coisas que eu tinha na cesta eram bens essenciais: leite, pão, carne etc, por isso não havia nada que eu pudesse descartar (e na verdade não posso negar que comer é algo que me transmite felicidade) porém eu lembrei-me de outras coisas que eu comprei até hoje, como aqueles headphones, aquela bolsa diferentona ou aquelas sapatilhas must have. Eu não me considero de todo uma pessoa consumista, na verdade acho que dentro da minha geração fujo até um bocado à regra, não só porque não tenho carteira para isso, mas porque a minha educação foi sempre direccionada para satisfazer as minhas necessidades e não os meus caprichos. Porém, do pouco que eu sou, fiquei constrangida comigo mesma porque eu dei conta que na verdade, se eu não tivesse comprado aqueles headphones eu ainda teria como ouvir musica, se eu não tivesse comprado aquela bolsa ainda teria como transportar as minhas coisas e se não tivesse comprado aquelas sapatilhas eu não andaria descalça, mas ainda assim eu fui lá e comprei todas essas coisas porque de alguma maneira eu achei que ao fazê-lo eu iria ficar (um bocadinho) mais feliz. 
Pior que dar conta disto, foi perceber que todo esse dinheiro que eu gastei podia hoje ser usado de uma maneira mais útil e que de facto me fizesse realmente feliz. No momento em que eu dei conta de tudo isto eu fiquei triste, por isso toda a felicidade que estas coisas me trouxeram no passado, hoje deixaram de valer a pena porque eu olho para elas de uma forma diferente. 
"Ok, e agora vais fazer o quê?" Eu sei que seria esta a reacção de quem me ouvisse. Bem, eu acho que não vou fazer nada, e acho que não é nem suposto fazer seja o que for. Provavelmente era de esperar que eu adoptasse um estilo de vida minimalista e equilibrado, o que é de facto algo que me interessa bastante, mas na realidade eu já sou um pouco assim por obrigação, tem coisas que eu quero muito (muito mesmo) e eu vivo negando-as porque sei que "agora não preciso disso". Contudo, eu acredito que o propósito maior era eu chegar a esta conclusão, ter noção disso, dar conta do tanto de coisas que eu tenho e perceber de que modo sou feliz no meio delas. Uma coisa eu tenho a certeza, hoje quando compro seja o que for, penso sempre: isto vai ser-me útil de verdade? Vou ser mais feliz se o levar comigo?

ide

Desejo que tenham essa coragem todos dias e que ela vos inunde, como um tsunami, sempre que tiverem dúvidas em ir ou não. Não vos consigo desejar mais nada a não ser isso. Ide e conheçam-se. Ide e percam-se. Ide e sofram. Vai valer tanto a pena que no final, cada lágrima, vai ser um motivo para ficarem ainda mais felizes.

Voltar atrás

"Pronto, agora estou por minha conta", foi a primeira e a única coisa que me ocorreu na cabeça assim que fechei a porta do carro. A partir dali, e pelopróximos meses, estaria entregue a mim mesma e para trás iam ficar todos aqueles que me protegiam até então. O carro arrancou da garagem e eu prometi a mim mesma que não ia olhar para trás. Mas não tive coragem de cumprir isso, não por mim, mas por ela. Por ela que ia ficar com o coração gelado nas mãos, por ela que iria viver o inverno mais rigoroso dentro dela, por ela que iria viver todos os dias na agonia, por ela, a minha mãe, irmã, amiga, a minha bússola. Por ela rompi a minha promessa e olhei para trás, levei a mão à boca e atirei-lhe o beijo maisincero que alguma vez dei. Nunca façam isto. Nunca olhem para trás, é o pior erro. Descobri, depois daquele momento, que olhar para trás é o principal mote para desistir. Todas as nossas forças continuam em frente, abandonam o nosso corpo e ficamos vulneráveis, frágeis, expostos ao medo que vai acabar por gelar todo o nosso corpo e fazer-nos questionar o que estamos a fazer. Até ali eu nunca ponderei desistir, apesar tudo o que surgia e me afastava de concretizar este sonho, eu nunca quis desistir. Mas naquele momento... naquele momento eu odiei-me por deixá-la para trás com todas aquelas lágrimas, devia tê-la deixado a sorrir, mas que palavras, gestos ou sorrisos preenchem o vazio deixado nos braços de alguém que ficou para trás? Quando a perdi de vista ficou tudo mais fácil, afinal aquele provérbio "Longe da vista, longe do coração." é verdade. O que os olhos não vem, o coração não pode sentir e dali em diante, na minha cabeça, só passavam imagens de momentos em que juntas gargalhamos. Até hoje a saudade nunca assolou o meu coração, talvez porque eu sei que quando voltar eu vou ver um sorriso no rosto dela e as lágrimas no meus olhos.

doce

O meu maior medo é que a vida me torne amarga. Que cresça e perca aos poucos os grãos de açúcar que nasceram comigo. Tenho medo de chegar aos 50 anos, aos 60 ou 70 anos e não consiga desfrutar de uma manhã barulhenta por causa dos pássaros ou que não consiga ver a beleza das coisas mais banais. Tenho medo que um dia acorde e viva despercebidamente. No fundo eu só quero ser açúcar toda a minha vida, mesmo bebendo água com limão pela manhã.

obrigado

Cada vez acredito mais que tudo na nossa vida acontece por algum motivo, tanto o que acontece de positivo quanto negativo. Por vezes dou por mim em lágrimas a perguntar onde é que errei para merecer o que me aconteceu. O que será que eu fiz de tão grave para ter de passar por estas dificuldades todas? Por muito que não encontre respostas para estas e tantas outras perguntas, hoje tento ser grata por tudo o que me tem acontecido de menos bom. Antes de ir dormir agradeço os percalços que encontrei no meu dia e reflicto de que forma é que eles vão influenciar o meu futuro. A verdade é que desde que interiorizo isto na minha cabeça tudo o que me acontece de bom tem um sabor diferente, fico mais feliz e sinto-me abençoada. 

Medo, tens de ser mais corajoso.

O meu medo é um covardolas. 

tardio

Eu não me considero uma pessoa conformada, acho até que tenho a mania de que posso reclamar de tudo o que não me agrada, porém à uma coisa na minha vida contra a qual eu nunca me afirmei: o seu rumo. Com esta viagem apercebi-me disso. Apercebi-me que eu falhei todos estes anos para comigo mesma. Eu devia ter-me ouvido mais vezes, principalmente nas noites em que subia ao rooftop porque não consegui adormecer. Isso era um indicativo de que alguma coisa na minha vida estava mal, e eu só agora dou conta disso. Tenho o rio Reno à minha frente e tudo aquilo em que consigo pensar é porquê tão tarde? Porquê só agora? Porque é que só agora é que eu tive a ousadia de dar o passo maior que a minha perna? Porque é que me travei durante tanto tempo? Porque é que deixei que os meus medos falassem mais alto do que a minha coragem? O meu arrependimento é traidor, por um lado sei que podia ter aproveitado muito mais a minha vida até aqui, por outro sei que tudo o que está no passado serve como um lembrete e que a partir de agora tenho de saber controlar a marioneta. Hoje preocupa-me que um dia olhe para trás e diga que não fiz algo porque não tive tempo, vou estar somente a enganar-me e espero que nesse preciso momento seja o rio Reno, assim cinzento e taciturno, que me apareça na memória.

obrigado

Este é o momento mais celestial da minha vida. Já andei de avião outras vezes, mas nenhuma delas tocou a minha alma desta forma. O meu último adeus ao meu país é com um pôr do sol magnífico, infinitamente prometedor e que derrete todos os meus medos. A única coisa que consigo dizer é obrigado. Repito esta palavra vezes sem conta e sei que algures no universo, aquele que me trouxe até aqui, está a ouvir-me. Por muitas dificuldades que tenham aparecido, todas as portas que se fecharam , trouxeram-me até aqui, por isso obrigado. Por muitas lágrimas que tenha vertido, a maré está a levar-me a explorar o desconhecido, por isso obrigado. Por muitas vezes que o cansaço tenha derrotado o meu corpo, hoje eu estou a voar, por isso obrigado. Por muitas vezes que tenha gritado contra ti, hoje estou a agradecer-te por me teres dado tristezas, hoje as alegrias são maiores, por isso obrigado.

d e s p e d i d a s

Não me vou despedir porque ainda tenho tantas coisas para vos contar, tantas lágrimas e sorrisos para soltar que se me despedir não sei em que mala as vou levar. Se eu disser adeus fica tudo dito e se eu me despedir não tenho motivos para voltar.

O medo paraliza.

Eu nunca gostei da Alemanha. O meu passado está ligado a este país mas no entanto nunca encontrei nada que me fizesse ficar apaixonada por ele. Talvez porque os motivos que tenho para o detestar falem mais alto. Na verdade eu acho que é por isto mesmo que eu vim aqui parar. Apesar de este sítio me fazer remexer em coisas do passado que eu preferia esquecer, eu não tenho medo de estar aqui. Até hoje sempre tive medo de coisas banais, vinha um frio na minha barriga e gelava-me as entranhas, agora que estou aqui sozinha, entregue a mim mesma e às forças do destino, não tenho medo, não tenho espaço para esse sentimento. Eu precisava de impor isto a mim própria não só para me superar mas também para descobrir o que é que eu quero daqui em diante, para descobrir quem eu sou e onde pertenço. Eu nunca quis chegar até onde cheguei, fui sempre pela corrente e por aquilo que é suposto acontecer na vida de um ser humano: infantário, escola primária, ensino básico, ensino secundário, universidade, doutoramento/pos-graduação, trabalho. Mas a verdade é que eu nunca sonhei chegar aqui e sempre me achei (e ainda acho) demasiado inocente e ignorante para decidir algo que vai mudar para sempre o meu futuro. Eu acredito que, no que toca ao futuro, tudo deve ser minuciosamente pensado e não devem ser tomadas decisões levianamente. Eu não me arrependo de ter chegado aqui, orgulho-me até de conseguir atingir este patamar na minha vida e agradeço ao meu Deus por ter oportunidade de o fazer, no entanto eu nunca desejei isto com todas as minhas forças. Aquilo que eu desejei com todas as minhas forças estou a fazê-lo agora, e por isso é que eu não estou com medo.

Lançei-me... seja o que Deus quiser.

Assinei. Agora está feito. Posso voltar atrás mas não o quero fazer, não quero nem ter a oportunidade de o fazer. Acho que nunca quis tanto algo na minha vida como isto, o que me assusta um bocado. Eu sei para o que vou, pelo menos eu acho que sei para o que vou. A verdade é que ainda não estou mentalizada do que estou a fazer, ainda não caí na real. Acho que isto não vai acontecer, que é tudo um devaneio da minha cabeça. Vou embora daqui a 24h. O que é que eu fui fazer?