ao teu sorriso cheio

Sempre me fascinaram aquelas pessoas que tem um sorriso cheio, farto, vasto, gordo. Um sorriso carregado de dentes, carregado de gargalhadas e sons minúsculos, que so podem ser encontrados neste tipo de sorriso. E o teu sorriso é assim. Cheio de coisas. Coisas essas que eu nao sei desvendar e que me intrigam. Muito. Mas que eu adoro, se adoro. Eu adoro ver o por do sol, por mim via-o todos os dias da minha vida e sei que nunca me iria cansar porque me carrega as energias, e com o teu sorriso acontece o mesmo. Ah, como eu dava tudo para poder contempla-lo todos os dias, mesmo que por pequenas fracoes de segundos. Nunca acreditei em apaixonar-me todos os dias por algo, mas acho que chegou a altura de me mentalizar que fui contaminada por esse vírus. Como eu gostava que compreendesses a dimensao do teu sorriso, a quantidade de sensacoes que ele provoca no Outro, sim porque ele tem esse poder, e eu acho que tu nem te das conta disso.  Fantástico. Surreal. Magico. Inacreditavel. Tens o sorriso mais surrealmente belo que eu já vi em toda a minah vida. E eu sei que por dentro também és assim, mas como penetrar essa barreira? Será ele a ponte para entrar na tua alma? Ja o beijei. Ja o encarei. Ja o toquei. Qual será a maneira de conseguir atravessá-lo? Desvendar um enigma nunca foi tao difícil, falta-me desenhá-lo, mas existirao cores suficientes para o representar? Nao é apenas um sorriso bonito, é um sorriso transcendente, um sorriso preenchido por cores, muitas cores, todos os tipos de cores, cores que ainda nem sao conhecidas. Dá-me essas cores.

buch

Zero. O livro chama-se Zero. Cada vez acredito mais que os livros foram feitos para serem lidos durante viagens, sejam elas curtas ou longas, sejam elas por diversão ou por mera rotina, sejam elas sinônimo de felicidade ou tristeza. E é curioso que aqui é muito comum ver alguém ler durante uma viagem, e mais curioso que isso é que vejo mais livros do que sorrisos. Mainz não é uma cidade muito sorridente, o quão contraditório é isso? Ele está profundamente entranhado na sua leitura. Ao seu lado está uma mulher a falar, extremamente alto, ao telemóvel, algo que ao fim de um tempo me começou a incomodar, mas a ele não. Ele continua na sua bolha, como se o som nem existisse e nada faz com que os seus olhos se desviem do livro. Os dois graus que hoje se fazem sentir obrigam-no a usar um gorro. Acho que ele é a primeira pessoa que eu vejo, a quem o frio lhe fica bem no rosto, nas mãos, no pescoço, no seu todo. Ele tem um tique particularmente interessante: os lábios dele estalam de vez em quando, a sua boca abre o suficiente para se notar a linha perfeita que os seus dentes brancos formam. Tem uma barba despropositadamente deixada por fazer, ele sabe que isso o favorece e que acentua os cantos do seu rosto mas só acho uma pena que esconda muito dos seus lábios. O comboio está 17 minutos atrasado e toda a gente está silenciosamente angustiada por isso, mas ele não. A mulher calou-se, danke. Ele permanece impávido e sereno. Nem o thriller que tem nas mãos ou o burburinho de fundo do comboio o perturbam. Permanece assim, hipnotizado pelo livro, durante mais duas paragens. Tento decifrar no seu rosto qualquer tipo de emoção mas não é fácil. Como os alemães são frios e distantes. O altifalante do comboio distrai-me, informa os passageiros sobre a aproximação da próxima paragem. As pessoas começam a dirigir-se para a porta de saída, frenéticas, uma vez que ainda faltam uns minutos para chegar ao destino e elas já se alinham em frente à porta, prontas para romper fora do comboio. Também tenho de sair nesta paragem, infelizmente não consegui decifrá-lo, ele continua inundado pelas letras e frases, continua preso no enredo do livro, não se move nem reage, eu precisava de mais tempo. As portas abriram-se e a multidão saiu disparada do comboio. Entre empurrões inevitáveis, pessoas a correr, o comboio a partir e chamadas barulhentas eu voltei a olhar para trás, na tentativa de pela última vez extrair alguma coisa dele, e tudo o que eu vejo é um blur vermelho do comboio a partir e um vulto preto na porta, esbracejando contra o tempo e com um livro e uma mochila toscamente agarrados. Ele esqueceu-se de sair do comboio. O livro devia ser muito bom.

glück cent

Abordaram-me na rua. Com o meu Alemão primitivo não entendi muito bem o que a outra pessoa me estava a dizer, tudo o que consegui entender é que dormia na rua. Respondi-lhe em Alemão que não falava a sua língua e ele respondeu-me: "English?". Respondi-lhe que sim e ele ripostou, agora numa língua mais familiar, que dormia na rua, que não tinha dinheiro e perguntou-me se não tinha algum dinheiro que lhe pudesse dar. (Nada de extraordinário right?) Eu sabia que não tinha dinheiro, mas o impulso levou-me a meter a mão nos bolsos e procurar por algo. "Isto é uma moeda?", pensei para mim. Tirei-a do bolso, deixei-a na palma da minha mão estendida, olhei para ela e era de facto uma moeda. Olhei para ele, ele olhou para a minha mão, olhou para mim e inclinou a cabeça. "This is all i have, i'm so sorry". "I'll take it anyway, it's my "glück cent"." Entreguei-lhe o cêntimo e pela primeira vez em toda a minha vida senti-me pobre, não porque fiquei sem um cêntimo, obviamente, mas porque não tinha mais nada para lhe dar a não ser aquilo, e ele, mesmo não tendo nada e tendo recebido um mísero cêntimo olhou para ele como o cêntimo da sorte, da felicidade. Um cêntimo. Quantas vezes olhei eu, olhamos nós, para o dinheiro, que talvez seja mais do que aquilo que ele alguma vez teve, e nos sentimos sortudos e felizes por isso? A vida é isto mesmo, meia dúzia de cêntimos?! Abençoado cêntimo, para os dois.

que perfeita imperfeição

Ninguém é perfeito. Esta é uma máxima universal, mas é curioso ver como toda a gente a sabe, mas ainda assim esforçam-se para esconder as suas imperfeições e tentam ser perfeitos, ou chegar perto dessa perfeição. Oh, como eu realmente gostava que as pessoas percebessem o quanto as suas imperfeições são lindas e únicas e que não tem de as esconder. O quanto são elas que os tornam em autênticos seres da natureza, excelsos e infinitos. O quanto eles são perfeitos por cada imperfeição e o quanto se tornam belos por serem assim mesmo. Oh, como eu queria que cada um aceitasse, nem que fosse uma única coisa, que não gosta em si. Como eu queria que não se assustassem por não serem perfeitos. Oh, como eu queria que eles se vissem através dos meus olhos porque tudo, a partir daí, faria mais sentido para eles. O medo deixaria de inundar os seus corpos, deixariam de se esconder e a espontaneidade exaltaria o seu melhor lado, o imperfeito, o único e mais belo de todos os lados.

vivendo

Sinto-me sozinha, mas estou rodeada de pessoas, as minhas mãos estão geladas mas estão 18° graus aqui dentro, tenho medo mas só quero ficar. É assim que eu sei porque estou aqui, para dar valor a esta oportunidade em estar viva e em poder desfrutar do mundo. Nem toda a gente tem esta chance por isso eu sou, nós somos, privilegiada(os) e quero agradecer essa oportunidade desfrutando dela o máximo que posso e se para isso tenho de viver estes paradoxos e dilemas, que assim seja. Não sei até quando é que esta vida vai durar, por isso quero saborear cada fragmento, quero arrepender-me de cada decisão mal tomada, quero chorar mesmo que isso signifique sofrer e quero amar desmedidamente tudo - cada pessoa, cada segundo, cada momento. Quero sentir tudo e não quero ser poupada porque eu quero entender porque é que eu mereço estar aqui. E se doer, melhor ainda, porque eu preciso disso. Se tiver de correr só quero que o motivo seja forte o suficiente para me fazer ter medo, para acelerar o meu coração e para pôr as minhas pernas a tremer. Quero perder-me, quero sentir-me sem rumo, enganar-me mais vezes e chorar com o medo, quero mentir a mim mesma dizendo que vai ficar tudo bem. Porque no final vai ficar sempre tudo bem. Quero isto e tudo o que está para vir porque esta sensação de estar viva consegue ser aterrorizante, a montanha russa de sentimentos é tão intensa de percorrer, mas é tão boa. Eu só quero atingir o meu limite, chegar perto do abismo e correr todos os riscos que tenho de correr porque no dia em que eu deixar de os pisar eu vou estar morta e aí, o que é que me vai restar? Simplesmente morrer.

vai

Que o mundo seja como essa moeda que tens na mão e te torne tão rica ao ponto de todos os teus bolsos estarem vazios, mas o teu coração nunca fique pobre.

Aleatoriedades

Ja alguma vez vos aconteceu conhecer alguém de forma aleatória e inesperada?
A mim já, mas somente desde que cheguei aqui. Conheci várias pessoas, por espontaneidade do universo, e foram sem dúvida os melhores encontros de que tenho memória.
A maior parte dos encontros foram tao inesperados  que nao deu sequer para gravar na memória os seus nomes, mas também acho que nao era necessario, afinal o nome é só mais um rótulo, que diferenca faria?

Farrah, minha querida Farrah. Convivi mais com ela do que com qualquer outro, todavia o tempo foi demasiado curto. Ficamos a conhecer-nos melhor entre uma garrafa de vinho e conversas de meninas, também fiquei a conhecer mais sobre o ser humano, sobre a matéria de que somos feitos. Guardo dela as melhores e mais surreais historias de amor (ela ia rir muito se me ouvisse dizer esta frase, se ia) 

Félix. Relembrá-lo nao torna as memórias mais lentas, o tempo entre nós passou a voar, e por isso nao o vou fazer, sinto que pronunciá-las vai deixá-las ao vento e estas eu tenho pena se as perder. Conhecemo-nos através de outra pessoa aleatória, a Hannah. Fomos juntos a uma ópera que prometia ser muito interessante mas que, em segredo, admitimos nao termos gostado.
A partir daí tudo deixou de ser aleatório, e passamos a conspirar para que tudo acontecesse: o percurso, a conversa, as cervejas, o comboio, inclusive a despedida.

Bélal, nao consigo lembrar-me dele sem me rir muito alto, aquele riso de fazer lágrimas nos olhos e fazer doer a barriga. Nunca me vou esquecer de como nos conhecemos: Um terrível sábado de manha e eu carregava uma preguica aos ombros por ter de ir para a biblioteca. Decidi parar no caminho para pegar um Coffe To Go e entre a correria de pessoas e a azafáma de alguem ter entornado um cafe no chao e ter criado uma confusao enorme, consegui pedir o meu Gross Milchkaffee. Dirijo-me a um balcao lateral, onde estao as colheres, as tampas para por na embalagem do café e o acucar, e deparo-me com alguem no meu caminho, mesmo à minha frente e de costas para mim, praticamente a dancar o Chá-Chá-Chá na tentativa de arranjar um espaco no balcao para eu preparar o meu café. Falou qualquer coisa em alemao ao que eu respondi: "Keine Deutsch". Rimo-nos muito: ele por causa do que eu tinha acabado de dizer e eu porque percebi o quanto desajeitado ele era, triplamente pior do que eu. A partir daí deixou de ser aleatório, e eu descobri que a confusao na coffee shop tinha sido criada por ele, que era meio persiano meio alemao, que estudava uma engenharia e que nao conhecia Hardy, isso ditou o fim do nosso encontro. Espero que ele nunca saiba disto, mas gostava de o ter conhecido um pouco mais, ele era uma catástrofe com pernas.

Farrah, Félix, Hannah, Bélal, Foad, Susi, Tom, Aline... voces nunca vao ler isto, mas obrigado por terem aparecido pelo caminho. Cada vez acredito mais que cada ser humano que cruza o nosso caminho traz algo a acrescentar à nossa vida, tem um propósito maior e as suas acoes nao acontecem em vao. Entre repercursoes positivas e negativas, entre ensinamentos mais ou menos profundos gostava de agradecer ao universo por os ter colocado no meu caminho e por me deixar tirar da sua presenca coisas boas, coisas mas, coisas embaracosas e coisas engracadas. Que o universo nos una se assim o quiser ou que nos relembre uns aos outros, aleatoriamente ou nao. Obrigado.

Obrigado

Obrigado por teres ido embora e por me teres ensinado que as melhores oportunidades da vida surgem quando estamos distraídos, quando não esperamos que nada aconteça. Eu acredito que se tivesse desejado que tudo acontecesse tal e qual como aconteceu, nada teria dado certo. Foi precisamente por ter sido inesperado que foi tão belo e por ter sido tão curto é que foi tão intenso. Eu não quero que dure mais tempo, e ainda que me custe, quero que o resultado final continue a ser este mesmo, porque foi tão bom assim que, alargar o tempo, só poderá estragar tudo. Óbvio que hoje queria que os nossos lábios se tivessem conhecido melhor e que os nossos dedos tivessem descoberto mais do que aquilo que descobriram, mas o que demos um ao outro foi o suficiente para perceber  que menos é mais. Obrigado por não me fazeres querer mudar o passado. A verdade é que tu tão pouco me fazes ter vontade de voltar atrás. Se hoje, agora, neste exacto momento, tivesse a oportunidade de voltar, eu não ia mudar os erros, não ia acrescentar palavras ou preencher o vazio, eu só ia pedir para voltar ao momento em que nos encaramos embaraçosamente, por tempo infinito, e em que tive o teu rosto gelado entre as minhas mãos, porque foi aí que percebi, bem dentro dos teus olhos, que a vida é muito mais do que aquilo que eu imagino. Tu fizeste-me ver que o tempo tem este poder em nós, de nos levar à loucura, à fugacidade de viver, de nos espicaçar, de nos tentar a saltar, a abrir a porta, a carregar no botão, a beber mais um gole. Tu fizeste-me ver que é nele que devemos procurar a motivação para dar o passo seguinte, porque ele não espera por nós, nunca vai esperar. E se nós sabemos que o relógio não pára, só temos duas opções: ver o tempo passar ou correr ao mesmo compasso que ele. Obrigado por me teres feito correr, por me teres levado a contar cada minuto enquanto estava contigo. Não sei porquê, mas os nossos relógios não entraram em sintonia e por isso um de nós ficou para trás. Perdi a conta à quantidade de vezes que me pediste para parar de olhar para o relógio e simplesmente confiar em ti, mas eu nunca consegui desviar o olhar da torre do relógio. A verdade é que eu podia ter corrido mais, podia ter sido mais audaz, mas tu também me ensinaste que tudo na vida tem o seu momento, e por isso é que parei de correr. O relógio continua a funcionar e ele esta a levar-nos para algum lugar, em breve saberemos qual. Obrigado por teres ido embora mas por me deixaresorrisos ao invés de lágrimas. 1:30h.

Queria ter dito isto a mim própria

"Querido Eu,


Bem, para começar - eu estou tão orgulhosa de ti. A vida não tem sido fácil ultimamente, e eu tenho muita pena disso. Mas apesar de tudo, tu tens feito os possíveis e impossíveis para manter a cabeça erguida e tu estas a ir muito bem, por isso continua a lutar.

Fica orgulhosa por tudo o que tu tens passado, e acima de tudo, de tudo aquilo em que te tornaste.

Deixa de ser tão dura contigo própria. Um dia tudo vai fazer sentido. Toda a dor, mágoas e frustração vão começar a valer a pena. Lembra-te, tudo acontece por uma razão em particular. Tu estas exactamente no sítio onde deves estar agora. Por isso respira, sê paciente, e acredita no percurso da tua vida. Deixa ir todas as preocupações que criaste na tua cabeça. Aceita a realidade como ela é. Aceita a vida pelo que ela é.

Ainda que tu penses que tu estas destruída ou destroçada existe tanta beleza nessa dor. Tu és mais forte do que qualquer outra coisa que alguma vez te tentou deitar abaixo. Tu és uma sobrevivente, não uma vítima. Ambos sabemos que agora tu estas a fazer o melhor que podes - celebra isso. 

Cria um significado para a tua vida através do qual te consigas orgulhar. Promete-me. Tu não vais deixar que ninguém interfira no caminho que tens traçado para atingir os teus objectivos. E mais importante do que isso, nunca desistas das tuas paixões e dos teus sonhos. Não gastes o teu tempo com pessoas que não acreditam em ti. Tu não precisas desse tipo de pessoas na tua vida. Apenas deixa que te circundem aqueles que te encorajam e inspiram.

Ajuda os outros. Sê uma boa amiga e certifica-te que és boa também para a tua família. Sê altruísta, não egoísta. Ama como se nunca tivesses sentido dor. E se, por acaso, não encontrares a força para o fazer, por favor, certifica-te que vais encontrar amor para te amares a ti própria.
Tu és tão forte minha querida. Tu tens passado por tanta coisa e só tens saído a ganhar no final. O mundo tem tentado deitar-te a baixo, mas tu nunca das o braço a torcer. Agradece o teu passado, foi ele que te tornou numa pessoa melhor hoje.

Obrigado por nunca teres desistido e por seres tão difícil e resistente. Tu inspiras os outros e tu mudas as suas vidas. Continua forte. Permanece firme. Sê mais bonita do que nunca. Faz com que eles se questionem como e que tu conseguiste chegar aqui. Tu sabes que mereces o mundo, Agora corre e vai busca-lo."


Perder o controlo

Tem coisas que só descobrimos sobre nós, quando a vida nos testa. É surreal como permanecemos incógnitos a nós mesmos até esse dia chegar e como achamos, pobres ignorantes que somos, que nos conhecemos na totalidade. Eu acho que a beleza da vida reside aqui, na constante descoberta de fracções de nós mesmos, de pedaços que constroem o nosso todo. Tenho aprendido muito sobre mim. Talvez porque estou entregue a mim mesma, talvez porque fui abandonada (por livre vontade minha) pelas preocupações rotineiras e corriqueiras, e tudo o que me resta agora é olhar para mim, preocupar-me comigo, lidar com o meu Eu a tempo inteiro, no meu melhor e no meu pior. Eu descobri que gosto de ter controlo sobre as coisas, de conseguir lidar com tudo o que me aparece na frente, de ter uma solução imediata, de saber que sou eu que controlo a minha cabeça e a minha mente. Só que eu agora entendo que a vida não é assim e nem tudo é controlável, há coisas que não se domesticam, e as emoções são uma delas. Não posso querer ser muito feliz, nem posso querer conter a alegria no meu coração para não parecer tonta. Não posso querer parar de chorar, como não posso aprisionar as lágrimas dentro de mim. Hoje eu tento não me privar de sentir aquilo que a vida me propõe, se ela me dá amor eu vou aceitá-lo, se ela me dá tristeza eu vou guardá-la e lidar com ela e se ela me dá dor eu vou aguentá-la e esperar que vá embora. É assim que tem de funcionar, é este o processo natural. Deter o controlo garante que estamos preparados para as consequências do futuro, mas largar mãos dele permite que sejas surpreendido pela vida, que sintas tudo originalmente pela primeira vez, sem uma preparação prévia. Perder o controlo obriga-nos a viver no improviso e isso é tão selvagem e tão libertador. As consequências passam a ser situações hipotéticas, sabes que vão surgir, mas também sabes que na altura irá aparecer uma solução. É angustiante pensar que não me conheço, que não sei os meus limites nem as minhas fragilidades, mas é tranquilizante saber que pelo menos hoje me conheço um bocadinho melhor do que ontem.

problemas

Quando pensamos que mais nada pode correr mal, é quando algo ocorre mal. Até aquilo que tem tudo para dar certo vai correr mal, hoje estou mentalizada disso. As coisas aqui estão longe de serem perfeitas (e ainda bem), quando algo de muito bom me invade, algo de mau surge por trás, esse é o percurso normal da vida, mas só desde que cheguei aqui é que percebi isso. Porquê? Porque estou sozinha e aqueles a quem quero pedir ajuda não me podem ajudar. Por isso, todos os problemas (até os mais absurdos) são uma tempestade. Depois de tantas catástrofes eu dei por mim à janela do meu quarto a pedir ao universo uma bênção, uma coisa boa, algo que não me fizesse querer desistir, algo que parasse as minhas lágrimas. Eu percebi que quanto mais ansiava isso, menos encontrava algo bom para me surpreender e fazer ficar. A vida encarrega-se de nos trazer, de bandeja e mordomo, as coisas boas, mas isso só vai chegar quando ela quiser, porque somente ela sabe quando é que realmente precisamos delas. É doloroso compreender isto, no fundo, estou a mentalizar-me que, quer queira que não, vou ter de sofrer, mas é ao mesmo tempo desafiador saber que amanhã tenho de vencer mais um desafio e que no final do dia vou colecionar mais um troféu.

Não há espaço para a saudades

Toda a gente me pergunta se tenho saudades de casa. Perguntam-me como é que lido com a distância e com a ausência daqueles de quem mais gosto. Na verdade, eu ainda não passei por essa parte de sentir saudade. Custou-me muito vir embora, não posso negar, mas uma vez que parti foi custando cada vez menos deixar tudo para trás. Eu não sei se isso é bom ou não, a única coisa que sei é que estou feliz aqui. Eu vim para aqui porque quis e acima de tudo porque precisava de vir e só o facto de estar onde quero estar e estar bem, já faz valer a pena cada pessoa que deixei para trás. Eu aprendi que a partir do momento em que estás bem onde estás, tudo aquilo de que sentes falta viram apenas memórias boas e não ocupam espaço na dor ou na tristeza. Quando vim embora eu não vim sozinha, eu trouxe comigo todos aqueles de quem gosto, e a distância não anula a sua presença só a intensifica ainda mais porque em cada memória que me surge na cabeça, sinto a sua presença, como se estivessem sempre ali comigo.

Coragem

A coragem é uma coisa que deviam ensinar na escola. 
Deviam ensinar a plantá-la dentro de nós. 
A partir daí íamos compreender que nós somos uma planta e precisamos dela como se fosse água. 
É ela que nos mantém vivos, que nos faz crescer e que fortalece as nossas raízes cada vez que a usamos. 
É ela que cria memórias e que nos dá vida.
Hoje eu lamento não ter aprendido isso mais cedo, porém, e apesar de ter perdido uma ou outra oportunidade para ser feliz, hoje eu fico a ganhar ao saber que devia ter aproveitado. 
A matéria hoje foi coragem, por isso é que eu sei estas coisas todas.

Para te conheceres, viaja para suficientemene longe.

"Tu és orgulhosa!" Eu nunca me considerei uma pessoa orgulhosa, porém, desde que comecei esta aventura (e depois de perceber que ia ter de lidar sozinha com tudo o que aparecesse à frente) eu consigo retirar um ensinamento muito importante para o resto da minha vida: a nossa (in)dependência não pode (nem deve) ter qualquer tipo de relação com o pedir/aceitar ajuda. Estes dias dei conta que a minha vontade de ser independente estava a inflamar ainda mais as situações com as quais eu tinha que lidar, que na verdade podiam nem ter sido problemas se eu soubesse ter pedido ajuda. Se eu tivesse dado o braço a torcer e tivesse colocado o meu orgulho de parte, não que fosse um orgulho do género "Eu não preciso dos outros" mas um orgulho do "Eu tenho de fazer isto sozinha, eu é que escolhi estar aqui", eu acredito que muita coisa até hoje teria sido bem diferente. Agora eu sei que pedir ajuda é permitir que as pessoas nos abençoem, quão poético pode ser isso na vida de um ser humano? Só agradece.

Do que é que precisas para ser feliz?

Eu nunca tinha pensado nisto, na verdade, quantos de nós é que alguma vez pensaram sobre isto? O meu conceito de felicidade sempre foi muito próximo ao mundo imaterial, daquilo que não é físico mas sim sensorial ou espiritual. Óbvio que há coisas físicas que me fazem feliz, como um bom livro ou um café bem quente numa noite fria, mas não é uma felicidade duradoura, não é algo que me faça feliz durante muito tempo, e por isso mesmo nunca medi a minha felicidade através delas. Ou seja, nunca me considerei mais ou menos feliz com base naquilo que tenho ou deixo de ter. Porém, só agora é que me dou conta (e me pergunto a mim mesma) sobre o que é que eu preciso para atingir a felicidade. 
Ter vindo para aqui obrigou-me a lidar a 100% com a gestão do meu dinheiro, não que em Portugal eu não o fizesse mas aqui é diferente. Aqui sou eu quem tem de fazer todas as compras: desde a comida até ao papel higiénico, passando pelos produtos de limpeza até aos sacos do lixo. Ou seja, tenho de ter sempre atenção ao dinheiro que tenho, quanto posso gastar por mês ou quanto consigo poupar. E numa das minhas idas ao supermercado, eu dei conta de uma coisa: "Eu preciso mesmo disto tudo? Em que momento da minha vida é que eu vou ser mais feliz com todas estas coisas?" A maioria das coisas que eu tinha na cesta eram bens essenciais: leite, pão, carne etc, por isso não havia nada que eu pudesse descartar (e na verdade não posso negar que comer é algo que me transmite felicidade) porém eu lembrei-me de outras coisas que eu comprei até hoje, como aqueles headphones, aquela bolsa diferentona ou aquelas sapatilhas must have. Eu não me considero de todo uma pessoa consumista, na verdade acho que dentro da minha geração fujo até um bocado à regra, não só porque não tenho carteira para isso, mas porque a minha educação foi sempre direccionada para satisfazer as minhas necessidades e não os meus caprichos. Porém, do pouco que eu sou, fiquei constrangida comigo mesma porque eu dei conta que na verdade, se eu não tivesse comprado aqueles headphones eu ainda teria como ouvir musica, se eu não tivesse comprado aquela bolsa ainda teria como transportar as minhas coisas e se não tivesse comprado aquelas sapatilhas eu não andaria descalça, mas ainda assim eu fui lá e comprei todas essas coisas porque de alguma maneira eu achei que ao fazê-lo eu iria ficar (um bocadinho) mais feliz. 
Pior que dar conta disto, foi perceber que todo esse dinheiro que eu gastei podia hoje ser usado de uma maneira mais útil e que de facto me fizesse realmente feliz. No momento em que eu dei conta de tudo isto eu fiquei triste, por isso toda a felicidade que estas coisas me trouxeram no passado, hoje deixaram de valer a pena porque eu olho para elas de uma forma diferente. 
"Ok, e agora vais fazer o quê?" Eu sei que seria esta a reacção de quem me ouvisse. Bem, eu acho que não vou fazer nada, e acho que não é nem suposto fazer seja o que for. Provavelmente era de esperar que eu adoptasse um estilo de vida minimalista e equilibrado, o que é de facto algo que me interessa bastante, mas na realidade eu já sou um pouco assim por obrigação, tem coisas que eu quero muito (muito mesmo) e eu vivo negando-as porque sei que "agora não preciso disso". Contudo, eu acredito que o propósito maior era eu chegar a esta conclusão, ter noção disso, dar conta do tanto de coisas que eu tenho e perceber de que modo sou feliz no meio delas. Uma coisa eu tenho a certeza, hoje quando compro seja o que for, penso sempre: isto vai ser-me útil de verdade? Vou ser mais feliz se o levar comigo?

ide

Desejo que tenham essa coragem todos dias e que ela vos inunde, como um tsunami, sempre que tiverem dúvidas em ir ou não. Não vos consigo desejar mais nada a não ser isso. Ide e conheçam-se. Ide e percam-se. Ide e sofram. Vai valer tanto a pena que no final, cada lágrima, vai ser um motivo para ficarem ainda mais felizes.

Voltar atrás

"Pronto, agora estou por minha conta", foi a primeira e a única coisa que me ocorreu na cabeça assim que fechei a porta do carro. A partir dali, e pelopróximos meses, estaria entregue a mim mesma e para trás iam ficar todos aqueles que me protegiam até então. O carro arrancou da garagem e eu prometi a mim mesma que não ia olhar para trás. Mas não tive coragem de cumprir isso, não por mim, mas por ela. Por ela que ia ficar com o coração gelado nas mãos, por ela que iria viver o inverno mais rigoroso dentro dela, por ela que iria viver todos os dias na agonia, por ela, a minha mãe, irmã, amiga, a minha bússola. Por ela rompi a minha promessa e olhei para trás, levei a mão à boca e atirei-lhe o beijo maisincero que alguma vez dei. Nunca façam isto. Nunca olhem para trás, é o pior erro. Descobri, depois daquele momento, que olhar para trás é o principal mote para desistir. Todas as nossas forças continuam em frente, abandonam o nosso corpo e ficamos vulneráveis, frágeis, expostos ao medo que vai acabar por gelar todo o nosso corpo e fazer-nos questionar o que estamos a fazer. Até ali eu nunca ponderei desistir, apesar tudo o que surgia e me afastava de concretizar este sonho, eu nunca quis desistir. Mas naquele momento... naquele momento eu odiei-me por deixá-la para trás com todas aquelas lágrimas, devia tê-la deixado a sorrir, mas que palavras, gestos ou sorrisos preenchem o vazio deixado nos braços de alguém que ficou para trás? Quando a perdi de vista ficou tudo mais fácil, afinal aquele provérbio "Longe da vista, longe do coração." é verdade. O que os olhos não vem, o coração não pode sentir e dali em diante, na minha cabeça, só passavam imagens de momentos em que juntas gargalhamos. Até hoje a saudade nunca assolou o meu coração, talvez porque eu sei que quando voltar eu vou ver um sorriso no rosto dela e as lágrimas no meus olhos.

doce

O meu maior medo é que a vida me torne amarga. Que cresça e perca aos poucos os grãos de açúcar que nasceram comigo. Tenho medo de chegar aos 50 anos, aos 60 ou 70 anos e não consiga desfrutar de uma manhã barulhenta por causa dos pássaros ou que não consiga ver a beleza das coisas mais banais. Tenho medo que um dia acorde e viva despercebidamente. No fundo eu só quero ser açúcar toda a minha vida, mesmo bebendo água com limão pela manhã.

obrigado

Cada vez acredito mais que tudo na nossa vida acontece por algum motivo, tanto o que acontece de positivo quanto negativo. Por vezes dou por mim em lágrimas a perguntar onde é que errei para merecer o que me aconteceu. O que será que eu fiz de tão grave para ter de passar por estas dificuldades todas? Por muito que não encontre respostas para estas e tantas outras perguntas, hoje tento ser grata por tudo o que me tem acontecido de menos bom. Antes de ir dormir agradeço os percalços que encontrei no meu dia e reflicto de que forma é que eles vão influenciar o meu futuro. A verdade é que desde que interiorizo isto na minha cabeça tudo o que me acontece de bom tem um sabor diferente, fico mais feliz e sinto-me abençoada. 

Medo, tens de ser mais corajoso.

O meu medo é um covardolas. 

tardio

Eu não me considero uma pessoa conformada, acho até que tenho a mania de que posso reclamar de tudo o que não me agrada, porém à uma coisa na minha vida contra a qual eu nunca me afirmei: o seu rumo. Com esta viagem apercebi-me disso. Apercebi-me que eu falhei todos estes anos para comigo mesma. Eu devia ter-me ouvido mais vezes, principalmente nas noites em que subia ao rooftop porque não consegui adormecer. Isso era um indicativo de que alguma coisa na minha vida estava mal, e eu só agora dou conta disso. Tenho o rio Reno à minha frente e tudo aquilo em que consigo pensar é porquê tão tarde? Porquê só agora? Porque é que só agora é que eu tive a ousadia de dar o passo maior que a minha perna? Porque é que me travei durante tanto tempo? Porque é que deixei que os meus medos falassem mais alto do que a minha coragem? O meu arrependimento é traidor, por um lado sei que podia ter aproveitado muito mais a minha vida até aqui, por outro sei que tudo o que está no passado serve como um lembrete e que a partir de agora tenho de saber controlar a marioneta. Hoje preocupa-me que um dia olhe para trás e diga que não fiz algo porque não tive tempo, vou estar somente a enganar-me e espero que nesse preciso momento seja o rio Reno, assim cinzento e taciturno, que me apareça na memória.

obrigado

Este é o momento mais celestial da minha vida. Já andei de avião outras vezes, mas nenhuma delas tocou a minha alma desta forma. O meu último adeus ao meu país é com um pôr do sol magnífico, infinitamente prometedor e que derrete todos os meus medos. A única coisa que consigo dizer é obrigado. Repito esta palavra vezes sem conta e sei que algures no universo, aquele que me trouxe até aqui, está a ouvir-me. Por muitas dificuldades que tenham aparecido, todas as portas que se fecharam , trouxeram-me até aqui, por isso obrigado. Por muitas lágrimas que tenha vertido, a maré está a levar-me a explorar o desconhecido, por isso obrigado. Por muitas vezes que o cansaço tenha derrotado o meu corpo, hoje eu estou a voar, por isso obrigado. Por muitas vezes que tenha gritado contra ti, hoje estou a agradecer-te por me teres dado tristezas, hoje as alegrias são maiores, por isso obrigado.

d e s p e d i d a s

Não me vou despedir porque ainda tenho tantas coisas para vos contar, tantas lágrimas e sorrisos para soltar que se me despedir não sei em que mala as vou levar. Se eu disser adeus fica tudo dito e se eu me despedir não tenho motivos para voltar.

O medo paraliza.

Eu nunca gostei da Alemanha. O meu passado está ligado a este país mas no entanto nunca encontrei nada que me fizesse ficar apaixonada por ele. Talvez porque os motivos que tenho para o detestar falem mais alto. Na verdade eu acho que é por isto mesmo que eu vim aqui parar. Apesar de este sítio me fazer remexer em coisas do passado que eu preferia esquecer, eu não tenho medo de estar aqui. Até hoje sempre tive medo de coisas banais, vinha um frio na minha barriga e gelava-me as entranhas, agora que estou aqui sozinha, entregue a mim mesma e às forças do destino, não tenho medo, não tenho espaço para esse sentimento. Eu precisava de impor isto a mim própria não só para me superar mas também para descobrir o que é que eu quero daqui em diante, para descobrir quem eu sou e onde pertenço. Eu nunca quis chegar até onde cheguei, fui sempre pela corrente e por aquilo que é suposto acontecer na vida de um ser humano: infantário, escola primária, ensino básico, ensino secundário, universidade, doutoramento/pos-graduação, trabalho. Mas a verdade é que eu nunca sonhei chegar aqui e sempre me achei (e ainda acho) demasiado inocente e ignorante para decidir algo que vai mudar para sempre o meu futuro. Eu acredito que, no que toca ao futuro, tudo deve ser minuciosamente pensado e não devem ser tomadas decisões levianamente. Eu não me arrependo de ter chegado aqui, orgulho-me até de conseguir atingir este patamar na minha vida e agradeço ao meu Deus por ter oportunidade de o fazer, no entanto eu nunca desejei isto com todas as minhas forças. Aquilo que eu desejei com todas as minhas forças estou a fazê-lo agora, e por isso é que eu não estou com medo.

Lançei-me... seja o que Deus quiser.

Assinei. Agora está feito. Posso voltar atrás mas não o quero fazer, não quero nem ter a oportunidade de o fazer. Acho que nunca quis tanto algo na minha vida como isto, o que me assusta um bocado. Eu sei para o que vou, pelo menos eu acho que sei para o que vou. A verdade é que ainda não estou mentalizada do que estou a fazer, ainda não caí na real. Acho que isto não vai acontecer, que é tudo um devaneio da minha cabeça. Vou embora daqui a 24h. O que é que eu fui fazer? 

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As minhas aventuras ficam em rascunho. Mais tarde vou pegar nelas e largá-las no rio.


Laranja, quase natural.


Há uns dias pedi um sumo de laranja e entregaram-me um pacote que trazia o seguinte slogan: “feito com carinho”. Por instantes imaginei um pomar (laranjal) lindo, com laranjas acabadas de ser colhidas à mão com luvas brancas de algodão, lavadas em água corrente do riacho que descia da montanha, selecionadas e espremidas uma a uma. Logo despertei e lembrei-me que se tratava de um sumo de pacote, industrialmente produzido. Então questionei-me: será que as máquinas, estes autômatos que fazem todo o serviço, já demonstram afeto, carinho e outros sentimentos e eu ainda não me tinha apercebido deste feito? Ou estava diante de um ridículo apelo publicitário, próprio de um rótulo que subestima à inteligência humana e à nossa capacidade de discernimento entre algo natural e algo que possui na fórmula com diversos componentes do tipo “HD10″, e casualmente também uma pequena quantidade de sumo natural de laranja. Há tanta falsidade nestes anúncios e rótulos que alguns produtos artificiais anunciam que trazem 3 ou 5% de sumo natural, como se estivessem contribuindo para uma dieta natural e salutar. Que pena!!!